Por Rafa Santos
As conclusões do inquérito da Polícia Civil do Paraná sobre o assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, Marcelo de Arruda, pelo militante bolsonarista Jorge Guaranho causaram controvérsia no mundo do Direito.
O foco da discussão é a afirmação da delegada que preside a investigação, Camila Cecconello, de que o homicídio cometido por um homem que antes de atirar gritou “aqui é Bolsonaro!” não pode ser considerado um crime político. Para ela, o assassinato cometido pelo policial penal Guaranho teve motivo torpe.
Insatisfeito com as conclusões da delegada, o Ministério Público já se manifestou no sentido de que não considera a investigação encerrada e cobrou a perícia do telefone do agressor.
O fato de não existir no Brasil tipo penal específico de crime de ódio com motivação política, e tampouco de crime político, no sentido de matar uma pessoa por ela integrar um partido ou pertencer a espectro ideológico diferente, levantou o debate sobre a necessidade de preencher essa lacuna em nosso ordenamento jurídico.
A ConJur consultou criminalistas sobre o tema e o entendimento uníssono é de que não é preciso criar um tipo penal para casos como esse. Existe divergência, contudo, sobre a necessidade da criação de uma qualificadora própria para agravar a pena em crimes como o de Foz do Iguaçu.
O advogado Welington Arruda, por exemplo, sustenta que o artigo 121 do Código Penal já estabelece motivos que agravam a pena. “Diferentemente do feminicídio, que foi criado porque o número de mortes no Brasil é assustador e precisava de uma resposta estatal, o homicídio cometido a partir de ódio político não é algo que seja corriqueiro em nossa sociedade, embora tenha aumentado”, defende ele.
O criminalista Mário de Oliveira Filho, por sua vez, explica que a conduta tida como criminosa é descrita pormenorizadamente pelo legislador e constitui um tipo fechado. “Quer dizer que não se admite interpretação por analogia ou por extensão. Não se pode ‘dar um jeitinho’ para se acomodar uma conduta a um tipo penal já existente. Nossa lei penal não traz nos crimes dolosos contra a vida a figura do homicídio por ódio político. Portanto, essa conduta é atípica”.
Ele chama atenção, porém, para as qualificadoras para homicídio praticado por motivo fútil, torpe e de modo a impossibilitar a defesa da vítima. A motivação política do militante bolsonarista para matar o tesoureiro petista, portanto, pode ser encarada como um agravante.
“Sob o aspecto subjetivo, o tema poderá ser tratado no júri — matou porque é contra a esquerda ou contra a direita, por fanatismo de torcida organizada no futebol, por diferença religiosa e por aí vai —, esse aspecto influenciará a decisão dos jurados, que em caso de condenação afastarão ou incluirão as qualificadoras, agravando a pena a ser aplicada”, comenta ele.
O advogado Átila Machado engrossa o coro de que não é preciso criar um tipo penal autônomo para casos como esse. “Todavia, parece-me de suma importância o Congresso Nacional debater sobre a possibilidade da criação de uma qualificadora própria para agravar a pena do crime, quando cometido por motivação política”, comenta.
A hipótese de criação de uma qualificadora específica para agravar a pena para esse tipo de crime também é endossada pelo criminalista Luís Henrique Machado. “Haja vista a polarização política vivenciada no país nos últimos anos e a ocorrência de crimes ligados por motivação política, talvez o legislador entenda pela necessidade de criar uma qualificadora específica com o fim de potencializar o caráter de prevenção geral para evitar esse tipo de conduta que limite ou impeça o livre exercício de manifestação do indivíduo por uma dada opção política”, defende ele.
Em artigo publicado na ConJur, o criminalista e pesquisador Fernando Augusto Fernandes, defendeu que o “homicídio cometido contra Marcelo de Arruda em sua festa de aniversário além de homicídio qualificado, com pena de 12 a 30 anos, abre um alerta da necessidade de aperfeiçoamento das leis, e de investigações no incentivo permanente de ataques a atos políticos que podem configurar crimes contra a humanidade”.
Caso não se enquadra na Lei 14.197
A possibilidade de enquadrar o homicídio como um crime contra o Estado democratico de Direito também é rechaçada pelos especialistas. Átila Machado lembra que a Lei 14.197 de 2021, a despeito de prever o crime de “violência política”, não pode ser aplicada quando o crime resulta na morte de um adversário político.
“Importante deixar claro que a motivação política de um delito é diferente de um crime político, o qual poderia ser imputado na hipótese de violações contra o Estado democrático de Direito”, explica Luís Henrique Machado.
Welington Arruda vai na mesma linha. “O Estado democrático de Direito está relacionado às instituições que protegem a democracia. Não dá para confundir a defesa que o Estado faz sobre o indivíduo da defesa das instituições. Quando alguém diz que pretende fechar o Supremo, por exemplo, está se referindo a uma situação que coloca o Estado democratico de Direito em xeque. Quando se fala que alguém matou um terceiro por motivações políticas isso não está necessariamente ligado ao que a Lei 14.197 pretende proteger”.
Já Mário de Oliveira Filho chama atenção para a singularidade do crime cometido em Foz do Iguaçu. “O recente caso do Paraná é curioso, o crime é de intenção política, mas não teve motivação política. Vai entender…”.